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Isabel da Nóbrega Viver para outros

Isabel da Nóbrega, cujo centenário se comemora actualmente, faz parte dos criadores que chegam elipticamente, elevando-se em voos imprevisíveis. Nos textos que abriu, as palavras, as ideias, os sentimentos deslizam através de uma estética, uma ética, uma aquosidade incomum.

A crónica, que excepcionalizou (e a que hoje não se reconhece o valor patrimonial e identitário que contem) é, depois da poesia, o grande pilar da literatura portuguesa.

Sabendo-o, ela tornou-a, com singular maestria, trave da sua afirmação - no Diário de Lisboa, na Capital, no Diário de Notícias, em revistas, em livros - sob a expressiva designação de Quadratim (termo usado nas tipografias para designar espaços entre palavras).

Isabel da Nóbrega não teve, no entanto, convívio fácil nas redacções, marcadas na época, à direita e à esquerda, por misoginias geracionais; coutadas masculinas desmereciam a presença de mulheres apesar do talento de algumas como Maria Lamas, Manuela de Azevedo, Natália Correia, Maria Judite de Carvalho, Edite Soeiro, Vera Lagoa, Maria Aurora - das falecidas.

O século XX português seria, curiosamente, e em todas as décadas e sectores marcado por grandes mulheres – isso observou-nos ela, havendo quem o apelide de século feminino (até Salazar era bastante feminino) sob a capa de marialvismos farfalhudos.

Talvez por isso as mulheres viram nesses 100 anos a Iª República traí-las, o Estado Novo infantilizá-las, a II República manipulá-las, a democracia mante-las em desigualdades, nos vencimentos, nas promoções, nas regalias.

Muitas rebelaram-se porém, impondo-se pela competência e inteligência, independência e persistência. Fernanda de Castro, Adelaide Cabete, Beatriz Ângelo, Ana de Castro Osório, Maria Amália Vaz de Carvalho, Guilhermina Sugia, Amélia Rey Colaço, Amália Rodrigues, Florbela Espanca, Irene Lisboa, Natália Correia, Helena Vieira da Silva, Paula Rego, Maria Lamas, Maria de Lourdes Pintasilgo, Maria Barroso, Isabel da Nóbrega tornaram-se, entre muitas outras, ângulos cimeiros na nossa cultura.

Cultura que é, lembrava Isabel da Nóbrega, feminina e rural, independentemente do sexo e do habitat dos seus autores.

De espírito ousado e criativo, Isabel da Nóbrega conciliou imaginação e acção, sensibilidade e solidez, espiritualidade e sabedoria, colocando-se mais do lado de dar do que do receber, graças a uma largueza humanística invulgar, o que levaria Natália Correia a dizer que, por vezes, ela parecia preferir viver a vida a escrever sobre a vida.

O interesse pelo íntimo, seu e dos outros, excepcionalizou-a marcando flutuações de irrecusável envolvência.

Companheira de José Saramago, voou alto, em vários planos, marcando movimentos intelectuais e cívicos, recusando dirigismos e preconceitos, apoiando com lucidez e premonição novos talentos. Saramago deveu-lhe parte da afirmação e do êxito conseguidos.

Desde cedo anteviu, e acreditou, e trabalhou para ele ganhar o Nobel. Com uma dignidade extrema recusaria, após a atribuição do prémio, convites milionários de editoras internacionais para escrever sobre a relação de ambos.

O saber estar só a voltou para quotidianos, solidões, desigualdades à sua volta; e, contra a corrente, contornou normas dominantes - na ideologia, na literatura, na sociedade, na política - que lhe minguaram presenças em certos suplementos literários e referências culturais, apesar da receptividade dos leitores e da crítica independente; apesar de ser autora de uma obra angular no século XX, "Viver Com Os Outros", romance surpreendente de sensibilidade, e cumplicidade, e disponibilidade .

Natália Correia dizia que ela, mais do que viver com os outros "vivia para outros" – os que escolhia, defendia, subia.

No nosso último encontro, serena, contida, despediu-se retendo melancolias: "O mundo que deixo ao morrer é pior do que encontrei ao nascer!".

Fernando Dacosta

Ir de Lisboa à Beira (a Baixa) por via-férrea era, outrora, uma viagem deslumbrante, vale do Tejo, Constança, Portas do Ródão, Castelo de Almourol, paisagens desfrutadas de comboio, em compartimentos de patine e afago.

Ir de Lisboa à Beira Baixa por via-férrea, hoje, tornou-se penoso e, para quem parte da Gare do Oriente, tenebroso, a estação a revelar-se um desarvorado ataque à saúde de quem, sobretudo no Inverno, a utiliza.

Carrocel de frio, de chuva, de correntes de ar, de correntes de vento, ela (estação do Oriente) revela, na sua gongórica arquitectura inumana, total desprezo pelo conforto dos que a utilizam.

Não há, por certo, construção pública entre nós tão geradora de desabrigos e incómodos como a dita Gare, cujos responsáveis (da sua aprovação e negócio) deviam ser questionados.

Tudo têm tirado às Beiras: jovens, transportes, escolas, correios, freguesias, memórias, tribunais, hospitais, jornai

Ir de Lisboa à Beira Baixa por via-férrea fez-se deslocação espinoteante em composições a fingirem de "modernas", sem conforto, sem insonorização, sem climatização, sem bar (apenas uma ínfima máquina de cafés e chocolates), sem charme, sem identidade - comboios de pindéricas linhas suburbanas, não (como foram no passado) de aprazíveis linhas nacionais.

Como foi possível fazer tal desconsideração às gentes de Castelo Branco, Alpedrinha, Fundão, Covilhã? zonas de vultos como, entre outros, António Ramalho Eanes,

Ir à Beira, 

de comboio!

Vergílio Ferreira, Eugénio de Andrade, Eduardo Lourenço, Robles Monteiro, Maria Lalande, Cargaleiro, António Paulouro, Vasco Lourenço, António Guterres, José Sócrates.

Tudo têm tirado às Beiras: jovens, transportes, escolas, correios, freguesias, memórias, tribunais, hospitais, jornais - jornais que acabam de revelar terem as autoestradas da região perdido tráfego e a CP 47 milhões (em quatro anos) de passageiros.

O que fizeram aos caminhos de ferro portugueses nas últimas décadas (até lhes suprimiram o transporte, tão útil, de automóveis!) é indesculpável e incompreensível, sobretudo num país que sempre teve neles cuidados, elegâncias, funcionalidades de destaque, marcando o nosso imaginário paisagístico, cultural, económico, turístico de maneira indelével.

Pouca terra, pouca terra - para nenhuma terra!

António Brás

Querem o colapso da Europa

em poucas palavras, a Europa vive uma preocupante onda de imigração vinda dos países arrasados no Médio Oriente. Arrasados pela Europa e Israel.

Com isso, a direita extremista-populista está a esmagar as Democracias. 

Quem chega traz no Islão a mão de Deus e vê no Ocidente a abundância.

Quem são os mentores desta estratégia para obrigar a Europa a comprar cabazadas de  armas, antes de desmoronar?

Não é só o senhor Putin!

As questões podem ser académicas: a primeira página define um livro e também caracteriza o autor? Irving Wallace foi mais longe e apontou para o primeiro parágrafo de cada livro. Disse Wallace serem as primeiras linhas que agarravam o leitor, ao passar numa livraria. 

Rodrigo Guedes de Carvalho nasceu em 1963, no Porto.

Estreou-se na ficção com o romance Daqui a Nada (1992), vencedor do Prémio Jovens Talentos da ONU.

Seguiram-se-lhe A Casa Quieta (2005), Mulher em Branco (2006), Canário (2007), O Pianista de Hotel (2017) - Prémio Autores SPA Melhor Livro de Ficção Narrativa 2018 -, Jogos de Raiva (2018), Margarida Espantada (2020), Cuidado com o Cão (2022) e As Cinco Mães de Serafim (2023) - semifinalista do Prémio Oceanos 2024.


Elogiado pela crítica, foi considerado uma das vozes mais importantes da nova literatura portuguesa.

É autor dos argumentos cinematográficos de Coisa Ruim (Filme de Abertura do Fantasporto 2006) e Entre os Dedos (2009), e também da peça de teatro Os Pés no Arame (2002). Matarás Um Culpado e Dois Inocentes é o seu décimo livro. (in livro)

Natália Correia, o poder feminino

"Só conseguiremos evoluir se o poder for entregue ao feminino", acrescentava Natália, "o feminino existente nas mulheres, nos homens, no bis, nos trans, nos anatemizados".

As suas palavras ora gelavam, ora incendiavam, não se faziam cinzas nem sarros - daí interrogar, interrogar-se se estávamos preparados para a grande mudança.

Que diria ela hoje de lideranças como a da senhora Von Der Leyen, presidente da Comunidade Europeia? e a da senhora Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu? e a da senhora Kristalina Georgieva, directora do FMI? e a da senhora Giorgia Meloni, primeira ministra de Itália? 

Fernando Dacosta